sexta-feira, 25 de março de 2022


 OS OLHOS DE QUEM VÊ

Era uma vez uns olhos mal amados por quem, através deles, se observava a vida. Eram ruins para ver, deficientes à nascença, míopes desde então, um deles um pouco estrábico, como se tivesse levado um susto perante a chegada ao mundo...e este era uma coisa turva, difusa, como um canal de televisão mal sintonizado. Este par de olhos viveu em esforço mas, ao mesmo tempo, vendo uma certa beleza no que o rodeava, pois a magia da indefinição é a quase ausência dos defeitos, diluídos no panorama geral.
Até que, um dia, receberam uma ajuda para aliviar esse esforço, materializada num outro par, mas de óculos, feios e, no entanto, cumprindo o seu propósito: o mundo era agora um lugar mais colorido, de formas concretas, cheio de possibilidades! Contudo, isto não lhes trouxe a felicidade esperada: os olhos passaram para segundo plano, exilados atrás de lentes grossas, forasteiros na própria casa, enquanto os óculos se foram embelezando e modernizando, sendo exibidos e valorizados pois, eles sim!, cumpriam de forma competente a missão que lhes havia sido atribuída.
E assim os anos foram passando, os olhos vendo a vida a acontecer em última fila, tornando-se progressivamente mais pequenos e resignados à sua condição míope, sem lhes ser atribuída a verdadeira beleza que tinham.
Foi então que um dia, e após os muitos dias que tinham vertido lágrimas - mais que na vida toda - os óculos foram retirados da sua frente, e os olhos ali ficaram, nus e desfocados, vendo o seu próprio reflexo fragilizado no espelho, com uma intensidade que nunca havia acontecido. Aquele era um momento de apreciação por tudo o que haviam visto até ali sobre a beleza e fealdade da vida, e dos seus dias feitos também das noites, de chuva e céu azul, de terra e mar, de tristezas e alegrias...culminando naquele momento inigualável que era o de ver os filhos acabados de nascer, perfeitos mesmo através de uma visão sofrida. Ali, naquele reflexo, aconteceu a reconciliação com os seus próprios defeitos, sem medo da imperfeição, aceitando-a sem deixar de se amar, e sem precisar de se esconder de si ou dos outros.
Os óculos continuaram a fazer o seu trabalho, inertes no rosto, ferramenta auxiliar sem emoções, mas os olhos...! esses agora brilhavam com mais sabedoria para a vida, apesar de continuarem, ainda por vezes, sem a ver ou entender bem.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Metrosideros Robusta - Conto I

Imagem in https://nl.wikipedia.org/wiki/Metrosideros_robusta

Ando por aqui há muito tempo. Chamam-me fenómeno centenário, dão-me pancadinhas nas costas, e fazem-me tatuagens com canivetes, numa ânsia de perpetuarem os seus nomes e as suas presenças no tempo, essa coisa que é tão humana, a fuga incessante do esquecimento, como se isso não fosse inevitável. Já vi muitas gerações, e acabamos sempre por acabar por ser uma fotografia esquecida numa gaveta ou num álbum amarelado. Eu própria já apareci em muitas fotografias. No início da minha vida passava despercebida, mas com o passar do tempo comecei a ser cenário dos momentos captados pelos casais enamorados, pelos pais orgulhosos com as suas criancinhas ao colo, pelos amigos em dia de folia...As primeiras imagens eram a preto e branco, e não captavam bem a alegria do momento, o brilho dos olhares...apenas eu me mantive sempre a mesma, umas vezes com os ramos inclinados mais para a frente, outras mais para o lado. Eles não sabiam, mas eu procurava dar a sombra necessária para uma fotografia com melhor qualidade de luz. Daria uma perfeita assistente de fotógrafo, se não tivesse nascido árvore. Hoje em dia já não é necessário esse meu servicinho, a tecnologia avançou bastante e eu só preciso ficar quieta. Sou robusta e corpulenta e, permitam-me a vaidade, a minha presença por si só dispensa poses ou adereços...embora eu seja presentada com estes em certas alturas do ano, sendo alguns deles agradáveis, coloridos e leves, dançando nos meus ombros ao sabor do vento e da música alegre que vibra na praça. Nesta altura crianças correm de um lado para o outro e à minha volta, gargalhadas soltas pela noite adentro, misturando-se com o fumo das sardinhadas. Esta tradição mantém-se ao longo das décadas, mas as crianças de agora são descendentes das de outrora, estas mais pobres, muitas delas descalças e ansiosas pela sardinha a que estas agora torcem o nariz. No entanto as gargalhadas soam iguais, e a alegria das suas brincadeiras tem a mesma nota musical. São os adereços de verão, das festas, do sol e da música. Aqui na praça assisti ao início de muitos namoricos nestas ocasiões, e ao fim de outros tantos, apesar de terem ficado perpetuadas em mim juras de amor, com assinatura e tudo.

Também fui testemunha de muitos casamentos da igreja aqui em frente, com a inevitável fotografia dos noivos, cada um do meu lado a segurarem as mãos e as promessas acabadas de fazer. Isso era mais frequente antigamente, agora saem da igreja e vão para uma quinta posar em fotografias mais elaboradas e artísticas. Fico com a sensação que outrora a emoção do dia provinha das promessas que se faziam para a vida toda, e que hoje em dia esse sentimento está mais relacionado com o imediato: ter o dia perfeito, no sítio perfeito, e com fotografias perfeitas a eternizarem cada momento. Pareço saudosista, mas não estou a ser! É que eu já vivi muito, mais do que a maioria da minha espécie, e acabo por observar e constatar a evolução das coisas, especialmente tendo sido plantada no centro dos acontecimentos, a praça. Esse sítio onde tudo acontece, tudo se vê, e tudo se ouve...seja qual for a altura do ano! E, por falar em altura do ano, regresso ao tema adereços. Na época de natal empoleiram-se em mim, o que já não gosto tanto porque estou mais sensível a certos contactos, em especial ao do escadote que aguenta com o Manel gordo. Certo como um relógio, no dia 1 de Dezembro lá trepa ele por mim acima, esfregando a sua barriga cada vez maior na minha casca queixosa, e pendura aquelas luzinhas irritantes que não me deixam dormir. Cada vez adormeço mais cedo, afinal de contas já conto com mais de três séculos, e aquele pisca-pisca intermitente perturba o meu descanso. Mas tudo isso é compensado pela alegria que paira no ar, especialmente quando montam a feira de Natal e os carrosséis para as crianças. Hoje em dia é tudo muito mais barulhento do que quando eu era uma jovem, e sinto por vezes que devia era ter nascido velha e evoluído para jovem, de forma a acompanhar toda esta agitação de forma mais confortável. Antigamente aborrecia-me de morte com os velhotes sentados no banco aqui ao lado, e com as suas conversas de dores e impaciências com “a malta nova”. Agora sinto-me como numa reunião de amigos, solidária com aqueles queixumes. Continuo a adorar as crianças, mas quando vejo uma delas a olhar-me com aquela expressão de quem vai trepar por mim acima até me treme o cabelame...mas, uma vez com elas ao meu colo, qual macaquinho no seu galho, sinto-me rejuvenescida como se os séculos não tivessem passado por mim! E, enquanto ouço a tagarelice animada entre o pequeno Vicente e a Beatriz, recordo-me dos pais deles, a Carla e o Paulo, e os pais destes, a Carminda e o António, e os avós e os bisavós...mudaram as brincadeiras, as conversas, a forma de vestir, e os pés descalços que antes me faziam cócegas e provocavam uma sacudidela nos meus ramos - atribuída ao vento - estavam agora calçados, o que não era tão confortável para mim. Mas, passe o tempo que passar, criança alguma consegue resistir ao apelo de trepar a uma árvore!
Mas nem tudo foram alegrias. Certa vez assisti, horrorizada, à corda que se enrolava num dos meus ramos. Sacudi-me em desespero, num grito mudo de dissuasão que fez o Zé das Birras olhar em volta, confuso. Mas foi em vão e ele trepou por mim acima, enrolando a corda nos pés. Por eles deixou-se assim ficar pendurado, de cabeça para baixo, primeiro agitado, depois zangado, até que se quedou numa quietude cansada, numa noite que julguei não ter fim, sem ter pregado olho e o ramo já a ficar dorido, chiando num queixume. Com a chegada do dia veio a confusão e os gritos, e uma família chorosa. Nunca tal coisa se tinha visto por ali no meio da praça, e o Zé das Birras bem podia ter escolhido sítio mais discreto, murmuravam os velhotes da altura sentados no mesmo banco de hoje. A quem o diziam, que tive noites e noites de insónia até deixar de o sentir ali pendurado! As árvores dos montes já estavam habituadas a coisas assim, e tinham a companhia umas das outras para se apoiarem. Agora eu ali, sozinha e confusa...foram tempos difíceis, mas a vida não para, especialmente numa praça, onde as conversas se multiplicam, pois basta haver duas pessoas para haver dois pontos de vista, duas versões... O suicídio do Zé das Birras deixou de, gradualmente, ser assunto de conversa embora, a certa altura, a família quisesse que eu fosse abatida, pois a minha presença era considerada o constante lembrete de uma tragédia. Felizmente a minha idade deu-me privilégios e cheguei a viver um momento divertido em que várias pessoas se juntaram à minha volta, em exclamações inflamadas sobre a minha importância, chamando-me “património”. Confesso que fiquei vaidosa com tanta atenção, e até o meu cabelame pareceu inchar, assemelhando-se às “mises” que as irmãs Mercedes faziam uma vez por semana, passando religiosamente pela praça todas as quintas-feiras de manhã, num desfile de vaidade.
Passada esta fase mais turbulenta, tudo regressou à normalidade, a vida seguiu o seu curso natural. Não muito tempo depois morreu Arminda, a beata solteirona cá do sítio. Foi para o outro mundo durante o sono – uma morte santa! - mas exibia um sorriso feliz, o que se tornou num novo tema de conversa e de variadas teses. Chegou também mais uma época de festa, que trouxe consigo as castanhas assadas e os arraiais. E houve nascimentos, tão importantes como a morte, embora tal acontecimento não seja considerado material interessante o suficiente para debater, excepto se houver tragédia ou exuberância pelo meio. Foi o caso de Maria, que nasceu em noite de trovoada, sem a mãe ter tempo de pedir ajuda, sendo auxiliada por uma vizinha que quase desmaiou ao ver a criança chorar com uma boca quase cheia de dentes. Parecia coisa do diabo e a mãe teve medo de lhe dar peito, tendo desenvolvido uma mastite, e a pequenita chorou dias a fio nos primeiros meses de vida, com cólicas devido ao leite de cabra que lhe davam. Mas a criança revelou-se mansa como um anjo, destacando-se a sua serenidade e os olhos invulgares, um preto e um azul, o que causava estranheza à primeira vista. Foi, curiosamente, a única criança que nunca se sentiu tentada a trepar para os meus ramos… Tal como outras, a história do seu nascimento dissolveu-se com o tempo nas brumas do esquecimento, assim como outras tantas surgiram e desapareceram no escorrer dos anos. Ah, se os meus ramos falassem...! Quantas coisas poderia eu contar, e talvez nem uma vida de Homem fosse suficiente! Mas o sol já se põe, igual todas as noites, imutável e deliciosamente previsível. Pergunto-me se ele vê o mesmo que eu e muito mais, com tantas voltas que dá...sacudo os ramos num último movimento antes de dormir. Preciso descansar as raízes, o peso dos anos já se faz sentir, sabem...? Mas a memória...ah, essa está fresca! Amanhã...talvez amanhã vos conte mais uma história ou duas.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Cenoura e Chocolate




- Filha, onde estás? Estou na cozinha a fazer o teu bolo preferido! Costumas vir sempre a correr para lamber o resto da massa. Que se passa contigo ultimamente? Não me digas que deixaste de ser gulosa! Sofiaaaaa! Estás a ouvir-me?!
- Estou aqui mãe.
- Que susto! Nem te ouvi descer as escadas…Estou a fazer o teu bolo preferido, de cenoura e chocolate. Sentes o cheiro? Lembras-te do cheiro?
- Lembro mãezinha. Sempre fizeste o melhor bolo do mundo.
- Pode não ser o melhor, mas é feito a pensar em ti. Passem os anos que passarem. Anda, chega-te aqui, espreita o forno. Ah…! não está lindo?!
- Está sim mãe, obrigada…
- Que se passa? Estás triste? Nos teus doze anos de vida nunca te vi tão pouco entusiasmada com o nosso bolo…! Preferias outro, era…? Eu faço-te outro já a seguir! Se não tiver os ingredientes necessários vou já ali à mercearia buscar!
- Não mãe, este está óptimo! Mas…acho que tens de parar de fazer tantos bolos…
- Ora essa, mas porquê? Sabes que eu gosto. Que eu preciso. Olha, toma, guardei-te a taça para rapares…Que se passa? Porque estás assim a olhar para mim, calada?
- Mãezinha…já passaram dois anos… não, não chores! Sabes que eu não gosto de te ver chorar.
- Não, não…não quero ouvir uma coisa dessas! Eu sei o que vais dizer… Vá, dá-me o salazar para aproveitarmos a massa toda…
- Tens que me ouvir. Não podes ficar para sempre assim, presa ao fogão.
- Já te disse que estou bem. Estou bem porque te tenho aqui, perto de mim. Só isso me importa meu amor. Tu sabes disso. Não preciso de mais nada!
- Mas tu sabes que já cá não …
- Filha, não…! Por favor, não digas mais nada…olha, olha como o bolo está a crescer, já viste?!
- Olha tu para mim, mãe. Olha, por favor…! Eu já cá não estou, não da maneira que tu queres…Vou-me embora mãe.
- (…)
- Tira esse avental e vai viver lá fora. Vais ver que consegues…
- Já não sei viver…
- Porque só pensas na morte. Mas está tudo bem mãe. Eu estou bem.
- E eu? Alguma vez vou ficar bem…?
- Claro que sim. Porque eu vou estar sempre contigo. Sem que precises ver-me.
Trocaram um sorriso, triste e esperançado ao mesmo tempo. Sofia foi-se tornando transparente aos olhos cansados da mãe, até desaparecer. O cheiro a bolo pairava no ar. E, de repente, percebeu que lá fora o sol brilhava, ofuscando a sua dor com a promessa de um novo dia.

Labirinto








Vicente sentou-se na cama, atordoado com o toque inesperado do telemóvel. Eram 3 da manhã. No ecrã aparecia o nome de Tiago. Atendeu, desorientado e sentindo a boca seca. Do outro lado a voz do irmão, aflita e sussurrante.
“Vicente…! Vem ter comigo! Eu estou…” pausa “Nem sei, acho que ao pé daquela loja onde estivemos de manhã…?”
Vicente esfregou os olhos e respirou fundo. Que fazia Tiago na rua, em Istambul, àquela hora?
"Não consegues regressar?” perguntou-lhe serenamente “É quase aqui ao lado”.
Receava que o irmão tivesse sucumbido novamente à tentação da cocaína. Parecia estar fora de si.
“Não me consigo orientar, são só labirintos, tu sabes! De noite é pior ainda pa!”
“Calma! Eu vou aí ter, mantém-te ao telefone ok?”
Já estava levantado. Podia ouvir a respiração ofegante do outro lado, numa crise de ansiedade que se anunciava.
“Já estou a sair” – Ia tropeçando ao vestir as calças só com uma mão livre.
“Despacha-te antes que elas dêem comigo…” a voz denunciava terror.
“Elas quem?” Tinha que o manter a falar.
“Estas coisas pa! Estão cada vez mais perto…!” conseguia ouvir-lhe as lágrimas eminentes, e o seu coração apertou-se pelo irmão mais novo. Fora sempre tão frágil!
“Não estás a fazer sentido. Eu já saí a porta, mantém-te comigo ouviste?”
Mas Tiago calara-se, e ouvia agora algo…gemidos? Grunhidos?
“Tiago?! Tiago!”
A chamada caíra e o telemóvel estava agora desligado. Acompanhado pela batida apreensiva do seu coração correu até chegar ao local, e nem sinal dele. A rua estava deserta, o silêncio era ensurdecedor. Com medo de o encontrar novamente caído, com convulsões, deu umas voltas nas ruas paralelas chamando o seu nome, em vão. Quando tentou regressar ao ponto de partida, constatou que estava perdido também. De noite tudo parecia diferente, o irmão tinha razão… Não via ninguém mas era como se sentisse presenças à sua volta. Era sugestão, ele sabia, mas ainda assim o coração acelerou e um suor frio arrefeceu-lhe as mãos trémulas. Depois ouviu aquele som…grunhidos, gemidos? Estava desorientado como nunca se sentira naquela cidade labiríntica. Tentou pegar no telemóvel para pedir ajuda a alguém, mas as mãos não se moveram. Tentou voltar ao hotel, mas as pernas não se conseguiam mover. Abriu a boca para gritar por socorro, mas não emitiu qualquer som, paralisado de terror perante as sombras que o rodeavam, devoravam, debruçadas sobre ele numa enorme mancha negra…

Acordou assustado. Sentia o suor que lhe encharcava o cabelo e o tremor que lhe sacudia o corpo húmido e frio. Depois o alívio: fora tudo um sonho…! Respirou fundo, com um sorriso ainda indeciso. Estava tudo bem!
E então o telemóvel tocou.
Eram 3 da manhã, e no ecrã aparecia o nome de Tiago.

sábado, 4 de abril de 2020

Era Uma Vez Uma Menina

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Daniela nasceu no interior do país, no dia de Santo António. A mãe, devota de todos os santos – fazia pedidos de natureza variada – previsivelmente baptizou a criança de António, em homenagem ao santinho. Daniela nascera na prisão de um corpo errado, e toda a sua sensibilidade era feminina. Era como se fosse o resultado de uma receita mal doseada, sendo a testosterona um ingrediente quase em falta. E assim cresceu, com nome de rapaz, vestida de rapaz, e com brinquedos de rapaz, a sentir-se diferente e a ser encarada como tal. Certo dia, já adolescente e tomada de coragem, ousou o impensável, envergando um vestido de tecido tão suave quanto a sua essência. Olhou-se no espelho e sentiu-se confortável naquela imagem vagamente feminina que lhe era devolvida, mas o espelho reflectiu também o rosto horrorizado da mãe, que andou pela casa a benzer-se, perguntando a um Deus injusto porquê ela - logo ela que era tão devota! - tivera um filho assim?! O pai, depois de lhe tentar tirar o diabo do corpo com um cinto, tornou-se calado, ferindo-a com o seu silêncio repugnado. Assim, Daniela viveu refém de uma mentira, até ao dia em que decidiu partir, determinada a ser fiel a si própria. E foi com essa determinação que construiu os seu caminho, o caminho que a levaria a si mesma…  Completava agora 40 anos, e observava o seu novo corpo, que a fizera renascer para a vida. Os seios eram cirurgicamente firmes, num desafio à gravidade, e relembrou o tempo em que não os tinha, o que não impedira que se vestisse como a mulher que se sentia; a ousadia valera-lhe uma valente tareia numa ruela de Lisboa, e ali percebera que o preconceito não é exclusivo dos sítios pequenos. Mas isso fora apenas mais um dos muitos obstáculos que tivera de enfrentar, e fez no seu intenso percurso amizades incondicionais, descobrindo assim um amor que nunca pensara viver…o amor por si mesma. Era agora Daniela, a mulher completa que lutara incansavelmente para se encontrar.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Um Dia de Sorte

Imagem in https://www.iquilibrio.com/blog/oraculos/dadomancia/

Foi um erro. Ou vários. Qual deles foi determinante para o que aconteceu? Faço uma viagem na minha mente para recriar cada passo daquele dia, e tentar perceber onde é que o destino teimou em não ser meu amigo. O primeiro erro foi a minha pouca vontade de cozinhar. “Se queres que eu lá vá, tens que ficar a acabar de fazer o jantar” disse a mulher. Perdi o apetite só de pensar em mexer nos tachos, e em ter que os lavar de seguida porque “tem que haver organização na cozinha, não é só sujar!” pelo que calcei-me e peguei na carteira. “Eu vou”. Ia com tempo, mas cruzei-me com a vizinha do terceiro, com o decote habitual a exibir as mamas provocadoras. Outro erro, a fraqueza: fiquei ali no hall do prédio, a conversar nem sei sobre o quê, até podia ser sobre o apocalipse zombie, porque a minha atenção estava focada naquele par de distracções. Quando me pus a caminho - com muita pena minha, devo dizer - já tive que apertar o passo. Cortei caminho por uma rua pouco habitual, para ganhar tempo. Mas o raio da rua estava em obras! Voltei para trás, a olhar para o relógio de pulso que a minha mulher me tinha oferecido um mês antes pelo meu aniversário. Uma oferta com uma mensagem subliminar sobre a minha (pouca) pontualidade. “Nem assim fazes as coisas a horas” já a conseguia ouvir dizer,no caso de eu me atrasar. Mas não lhe ia dar razão, concluí eu satisfeito, ao entrar na papelaria. Fui com a mão ao bolso para fazer a aposta e não senti a carteira. Pensei nos cartões do banco e nos 50€ que tinha dentro. Aflito, voltei atrás num método “Sherlock Holmiano” e encontrei-a, caída no princípio da tal rua em obras, e milagrosamente intacta. Nem suja estava. Caramba, era o meu dia de sorte! Consultei a prenda envenenada da minha mulher e constatei que já faltavam agora 5 minutos para as 7… se desse uma corrida, talvez chegasse a tempo…mas já estava cansado de tantas voltas, e não queria pôr-me a jeito para ter mais algum azar. A sorte não está sempre à espreita, não é o que dizem? Decidi então ir para casa, quase num gesto de rebeldia, onde me aguardava uma esposa satisfeita e um jantar quase feito. Qual destes erros foi o decisivo…? Nunca saberei. Apenas sei que era dia de jackpot, e a chave que eu uso há anos teria feito de mim um milionário.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Ciclo da Vida




imagem in veronicavidal-textoscronicaseensaios.blogspot.com




Finalmente anoitecia, e a vida na praia acontecia longe dos olhos do Homem. As ondas dançavam num vaivém descontraído, enquanto conversavam com a areia cansada, ainda magoada dos pés irrequietos que sobre ela haviam andado durante o dia. Contudo, ia esquecendo as dores à medida que ela e o mar relembravam os acontecimentos diurnos. Eram agora mais delicados os pequenos caranguejos que faziam corridas sobre o seu corpo granulado enquanto comentavam as outras, mais rápidas, feitas pelos pequenos humanos que se precipitavam para a beira-mar roubando água às ondas, a fim de construírem castelos sem autorização do areal submetido aos caprichos alheios. Sobre ele jaziam as memórias das brincadeiras, mas também dos despojos do dia que não pertenciam ali, e que inquietavam as gaivotas confusas, procurando comida e debicando plásticos com sabor a nada. As conversas fluíam entre todos os organismos vivos, ora num queixume, ora celebrando a liberdade nocturna. De vez em quando, e fora de horas, apareciam alguns humanos, diferentes daqueles que por ali andavam de dia, emanando uma energia mais serena. Deitavam-se na areia com delicadeza, e os seus risos soltavam-se pelo ar, confundindo-se com os das conchas e dos peixes, que nadavam ao colo das ondas, brincando como crianças à solta num jardim. Limpavam ocasionalmente o lixo que ali fora deixado por outros, devido a negligência ou esquecimento e, nesse momento, Homem e Natureza entravam em comunhão: podia sentir-se o bater do coração da terra, e a lua testemunhava como esta se unia assim ao céu, formando um ciclo infinito de renovação…
Finalmente anoitecia. E a Vida na praia acontecia, uma e outra vez.

sábado, 10 de novembro de 2018

As tuas Mãos


São mãos pequeninas
as que exploram a minha pele, 
que também é colo, que também é alento
e alimento.

São mãos pequeninas

as que procuram as minhas

em momentos
de silêncio e doçura,

São tão pequeninas as tuas mãos
repousadas em mim,
como se guardassem um segredo só nosso,
feito de pele e conversas ainda por nascer.

Todo tu és pequenino...
e quando fores já crescido
e tuas mãos já não procurarem pelas minhas,
serás sempre - tu já sabes! - 
o meu milagre em forma de menino.

sábado, 14 de abril de 2018

Cartografia do Amor



Hoje fui visitar o mar. Ou melhor, fui à beira dele, porque o oceano Atlântico faz parte da minha paisagem de todos os dias, tornando-se algo natural aos meus olhos. O seu som e cheiro são já parte dos meus sentidos... Hoje foi dia de caça submarina para o homem-rã cá da casa. Então foi só descer o longo caminho que passa pelo farol (que também faz parte da minha paisagem diária) e , enquanto esperava que a natureza nos abençoasse com um jantar fresco para a grelha, peguei no bloco e caneta que me acompanham para todo o lado! Deixei-me inspirar pela água que parecia querer-me molhar os pés que balouçavam no desafio da gravidade. E deixei-me inspirar também pela vida que trago em mim, e que se mexia tanto quanto as ondas que vinham provocar as rochas...

CARTOGRAFIA DO AMOR

Somos água, eu e tu,
e seguimos juntos no embalo das ondas,
que eu contemplo e onde te moves,
criando vagas de espuma 
ao sabor da canção que te canto...
E vais navegando no meu corpo
fazendo dele o teu oceano...

Sou o teu cais, o destino onde
irás ancorar por algum tempo
dentro do Tempo,
para depois voltares a navegar
por águas desconhecidas 
que já não serão as nossas, 
tuas e minhas.

Mas serei um eterno porto de abrigo
o norte que vais sempre encontrar
em dias de tormenta e
ansiedade no mar.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Fresca e com novidades!






Fresca e verdinha que nem um trevo, acaba de sair o número 13 da Revista Inominável! Sempre original, e sempre diferente. Sigam o link e folheiem! Não falta lá o artigo habitual aqui da vossa amiga :)

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Inominável Natalícia


A Revista Inominável vem em tons natalícios, e com um ar mais fresco e leve. Não tem nada a ver com o frio que tem feito tremer os queixos portugueses e não só, mas porque se tem vindo a renovar em cada edição, apurando o seu visual em alterações subtis que têm feito a diferença. Vale a pena espreitar os excelentes artigos! É só seguir o link...e folhear! :)

https://view.joomag.com/inominável-ano-2-inominável-11/0994554001509726516?short

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Inominável - segundo aniversário






Dois anos volvidos a revista Inominável não esmoreceu o entusiasmo. Pelo contrário! Cresceu, acolheu mais membros na sua família, tornou-se uma  "revista a sério", mais completa, mais madura, crescendo e aprendendo com cada erro e tropeção, mas erguendo-se após cada trambolhão digital, com a mesma resiliência de quem aprende a andar, de olhos postos no horizonte. Todos juntos, os Inomináveis/colunistas, conduzidos pelos Inomináveis-mor, damos novos passos a cada edição, unido pela paixão da comunicação. Parabéns a todos nós, venham muitos anos, muitas edições, e cada vez mais leitores! Sigam o link e folheiem...clicando! 

domingo, 1 de outubro de 2017

Da magia da parentalidade



Não sei que magia têm os olhos de um filho que, ao fitarem os nossos, amansam qualquer desespero de alma, e fazem-nos sentir gigantes capazes do impossível. Mas, se calhar, a magia reside no nosso próprio olhar, porque ele tem o filtro de um amor que não se explica e faz milagres - como o de acreditarmos em nós mesmos.

sábado, 5 de agosto de 2017

Inominável em Agosto

Quando se gosta do que se faz, e quando mais do que uma pessoa rema no mesmo sentido, em direcção ao mesmo porto...algo se cria desse trabalho de equipa, em que cada um contribui com algo diferente, formando um todo coeso na sua multiplicidade. Assim aconteceu com a revista Inominável, quase a fazer dois anos de vida e já sem tirar férias. Em Agosto a Inominável apresenta trabalho em mais uma edição recheada de coisas boas! Sigam o link e folheiem sem pressas, ao sabor do Verão.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Inominável 8


Para quem ainda não leu, aqui está o link para a Inominável, revista do coração feita por amor à escrita. Dedicamos uma parte da nossa vida a escrever para os leitores, cada um de nós com o seu tema e perspectiva. Há espaço para publicidade solidária também. Numa casa que cresce um bocadinho mais a cada edição, partilho aqui a oitava. A folhear virtualmente!
http://revistainominavel.blogs.sapo.pt/inominavel-no-8-65636

sábado, 1 de julho de 2017

Mandala's Story


God once watched children playing in a garden somewhere. Then he had an unusual idea: to give a breath of life to a soap ball, like one of those that animated that sunny afternoon. This soap ball, however, would see life as it is seen through the eyes of a child ... but a child who never grows, keeping her essence intact, the divine flame burning eternally in itself, without ego manifestation, of feeling possession, vanity, or jealousy ... Simply Being ... Then, under his thought, the soap ball dilated, gaining form, until it was delivered to the wind, like a birth that finally comes to an end. God wanted more and gave her a name, just in case one day someone would want to talk or write about it; Man needs names to remember the stories. The name was Mandala, because it reflected all the colours that He had invented in the creation of Life and Art. And Mandala flowed freely, shining under the sun. She felt the gentle push of the wind, and the breeze dancing in its round contours, and it made her float with joy. At that moment she ran the world, reflecting in herself the green of the fields she visited, the blue of the seas she contemplated, daring even to play in the dance of the waves ... How beautiful nature was! She felt the beating of the earth’s heart, and witnessed how this pulse joined the sky, creating a flow of energy that fed her and made her go further, more and more connected with what was around her. Mandala did not think because it was just a ball of soap. But Mandala could feel and rejoice, leaping from place to place, among the leaves of a tree, among the people who walked, fleeing from a dog, a cat, a bird, the curious hand of a child, but without fear, because she knew that we are all the same, and that same is the Whole, and the Whole is the beating of the heart of the Universe, which never stops, never dies ... She saw the sunrise, and she also saw it die to the horizon, which remained full of life with the wonders of the night, which is beautiful too, only in a different light. She also saw another birth, of the Human Being, and also saw him die; and realized that in the opposite poles, those of Life and Death, there is a continuous flow of a journey made sometimes of flesh and blood, where we forget our essence. Running the world Mandala witnessed its perfection, and that God had done nothing in vain. She also testified that Man is his own enemy and, that all the evil that had found its place in the world to live, was not the result of the punishment of a spiteful God, but the natural consequence of the choices made on the earth plane;  it was the natural flow of cosmic energy at work, in a fair cause-and-effect game. This was the reason for the self-destruction of which she was a witness , but it was God the One who took the blame ... Mandala observed all this, but without judgment, revolt or criticism, because Mandala only existed in a permanent state of peace and harmony. She saw wise men trying to reach that fullness, but she had an advantage over them: she was the fruit of God's sweet imagination, yet it was not made of flesh and the feelings that come along with that condition. She was conscious only of her essence, and her connection to the Whole was full. She did not need anything, she wanted nothing. But life is fragile as a simple soap ball, and earthly experience has a limited time. Mandala knew it, or rather she felt it... She floated, floated, until she left herself be caught by a child's hand. She saw herself reflected, for seconds, in her eyes, and all her own colours and nuances. And so she ceased to exist in the earthly dimension, gently ... to return home, amazed to have known one of the many faces of Eternity.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Do Amor sem idade








Ela caminhava devagar, ao ritmo dele. Ele assobiava uma melodia que só ele conhecia. Passeavam de mãos dadas. As mãos já não eram novas, a linha da Vida já fora bem palmilhada, mas descobriam-se todos os dias, pois todos os dias se procuravam, naquele gesto instintivo de quem se encontra no outro. Não era um amor novo; já tinha raízes, havia erigido paredes e construído um tecto, que abrigava anos de alegrias e sofrimentos, risos à solta, e o crescimento de pés pequeninos, narizes arrebitados como os dela e olhos azuis como os dele: gémeos, pois um amor tão grande não cabia numa só dose e a semente multiplicara-se...
Tinham-se conhecido ainda pequenos e partilhado brincadeiras de crianças. Certa vez ela caíra e esfolara um joelho. Ele ajudara-a a levantar-se e, com um beijo na face, prometeu naquele momento que iria tomar sempre conta dela. E assim descobriram o Amor, aos dez anos de idade, porque as almas reconhecem-se e mantém as promessas ao longo das vidas. E, dos dez anos, chegaram aos setenta, com uma vida inteira pelo meio, a descobrir o mundo e a vida, enquanto se descobriam e redescobriam a si mesmos e um ao outro. Tiveram várias casas mas sempre o mesmo lar. Deitaram muitas lágrimas mas soltaram muitos mais risos. Pelo caminho perderam pessoas e um filho ainda por nascer. A dor não os afastou, a tristeza não os amargurou, porque viam no outro o reflexo da sua própria luz, pois onde há amor não existe escuridão: o amor só rima com dor se existir ausência. Tudo o resto é força e esperança. Sabiam-no desde o dia em que ela esfolou o joelho, e assim viveram anos em comum, num longo caminho que os levara até ali, a um dos passeios matinais de sábado, de mãos dadas, ela a sorrir, ele a assobiar... Foram ao café do costume, ela fez o pedido do costume. Sentaram-se na mesa habitual e ali ficaram, de mão dada sobre a mesa. Ele assobiava sem cessar uma melodia que só ele conhecia. Ela sorria, contemplando o rosto do homem que amava, do homem que cumprira a promessa de sempre cuidar dela, e mergulhou naqueles olhos azuis, onde encontrava o espaço que era só deles, e onde se reconheciam para lá da idade ou do esquecimento.
Do lado de lá do balcão, dois jovens funcionários observavam o casal. “Olha como ela cuida dele...”. Não era um quadro triste, o do homem que assobiava perdido no seu mundo, e o da mulher que lhe levava o garfo à boca, pois percebiam – apesar de serem tão jovens – que testemunhavam o amor incondicional.

sábado, 15 de abril de 2017

A História de Mandala







Certa vez Deus observava crianças a brincar num jardim, algures. Teve, então, uma ideia inusitada: dar um sopro de vida a uma bola de sabão, como uma daquelas que animavam aquela tarde de sol. Esta bola de sabão, no entanto, veria a vida tal como ela é vista pelos olhos de uma criança…mas uma criança que nunca cresce, mantendo a sua essência intacta, a chama divina ardendo eternamente em si, sem manifestação de ego, de sentimento de posse, de vaidade ou ciúme…Simplesmente Ser…Então, sob o seu pensamento, a bola de sabão formou-se, dilatando-se, ganhando forma, até ser entregue ao vento, como um parto que chega finalmente ao fim. Deus não ficou por aí e deu-lhe um nome, para o caso de um dia alguém querer falar ou escrever sobre ela; o Homem precisa de nomes para se lembrar das suas histórias. O nome foi Mandala, pois reflectia todas as cores que Ele inventara ao criar a Vida e a Arte. E Mandala fluiu livremente, brilhando debaixo do sol. Sentia o empurrão gentil do vento, e a dança da brisa nos seus contornos redondos, e isso fê-la flutuar de alegria. Nesse embalo ela correu mundo, reflectindo em si o verde dos campos que visitava, o azul dos mares que contemplava, atrevendo-se mesmo a brincar na dança das ondas… Como era linda a natureza! Sentia o bater do coração da terra, e testemunhava como esse pulsar se unia ao céu, criando uma corrente de energia que a alimentava e a fazia ir mais além, conectada cada vez mais com o que a rodeava. Mandala não pensava porque era apenas uma bola de sabão. Mas Mandala sentia e exultava, saltitando de lugar em lugar, entre as folhas de uma árvore, entre as pessoas que caminhavam, fugindo de um cão, de um gato, de um pássaro, da mão curiosa de uma criança, mas sem medo, porque sabia que todos somos o mesmo, e esse mesmo é o Todo, e o Todo é o bater do coração do Universo, que nunca pára, que nunca morre… Viu o nascer do sol, e viu-o também morrer para o horizonte, que se manteve pleno de vida com as maravilhas da noite, que é bela também, apenas sob uma luz diferente. Viu também um outro nascer, o do Ser Humano, e também o viu morrer; e percebeu que nos pólos opostos, os da Vida e da Morte, existe o fluxo contínuo de uma viagem feita, por vezes, de carne e osso, onde nos esquecemos da nossa essência. Correndo mundo Mandala testemunhou a sua perfeição, e que Deus não fizera nada em vão. Testemunhou, também, que o Homem é o seu próprio inimigo, e que todo o mal que encontrara o seu lugar no mundo para morar, não era fruto do castigo de um Deus rancoroso, mas sim a consequência natural das escolhas feitas no plano terrestre; era o fluxo natural da energia cósmica em acção, num jogo justo de causa-consequência. Era este o motivo da auto-destruição a que assistia, mas era Deus quem levava a culpa…Mandala percebia tudo isto, mas sem julgamento, revolta ou crítica, porque Mandala apenas existia num permanente estado de paz e harmonia. Via homens sábios a tentarem atingir essa plenitude, mas ela tinha uma vantagem: era fruto da doce imaginação de Deus, no entanto não era feita de carne e dos sentimentos que esta acolhe. Ela era consciente apenas da sua essência, e a sua conexão com o Todo era plena. De nada precisava, nada desejava. Mas a vida é frágil como uma simples bola de sabão, e a experiência terrena tem tempo limitado. Mandala sabia-o, ou melhor, sentia-o…Flutuou, flutuou, até se deixar agarrar finalmente pela mão de uma criança. Viu-se reflectida, por segundos, nos olhos dela, em todas as suas cores e nuances. E foi assim que deixou de existir na dimensão terrena, suavemente…para regressar a casa, maravilhada por ter conhecido uma das muitas facetas da Eternidade.etas da Eternidade.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Revista Inominável Abril

https://www.joomag.com/magazine/inomin%C3%A1vel-ano-2-inomin%C3%A1vel-n%C2%BA7/0315087001486647919?short

A Revista de Abril já saiu. Agora "uma revista a sério", com um look fantástico, novos colunistas, e artigos interessantes. Folheia-se como manteiga a deslizar num pão morno. Hum...lembra-me o artigo dedicado ao chocolate neste número! :)

domingo, 5 de março de 2017

Viagem Noturna



Ainda não nasceu alvorada no

vislumbre da nossa madrugada.

E eu ouço uma canção na

dança das tuas asas

em redor de mim;

são inquietas,

de penas ansiosas a

viajar no firmamento

do meu corpo,

onde se quebram e abatem,

cansadas,

caindo por terra sem vento

nem lamento...

desfazendo-se então em

água que

eu bebo como chão sedento.

E dessa sede

renasce a fonte...

E ouço novamente uma

canção,

agora na palma da tua mão,

que se ri e

quase chora!

no aperto que me faz...

e dóis-me,

e fazes-me feliz na

viagem por onde

me levas e

me cegas.

As paredes não falam e

viram a cara,

envergonhadas,

quando estremeces e

fazes dos meus seios a

âncora do teu corpo

náufrago de prazer.

E então,

tanto sal que sinto em mim,

nos meus lábios

e nos teus mergulhados

nos meus!

Assim,

de âncora,

torno-me em cais:

seremos porto de abrigo,

em cada uma das

noites

de tempestade a


dois...

Até Já


imagem in letrasnocaminho.blogspot.com

Fizeste-te ao mar.
Fiquei a ver-te partir, de coração preso na ponta dos dedos; era de sangue o meu peito, e carne desfeita pela saudade que ja sentia.
Era um adeus feito de velas enfunadas pelo vento, que te roubava de mim.
A dor é salgada e a esperança é uma espuma que se desfaz na passagem do tempo.
Não voltaste e contigo ficou a pessoa que eu era.
Foste e eu nasci de novo, pois não fui a mesma sem ti, desde o passado até aqui...
Atravessa o tempo e abraça-me novamente.


(dedicado a quem perdeu alguém para o mar)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A Volta ao Mundo em 80 textos

http://uniarea.com/concurso-escrita-criativa-da-navigator-esta-volta-premios-no-valor-10-mil-euros/




Vou participar em mais uma iniciativa, desta feita promovida pela Navigator. E com prémio, o que sempre funciona como um estímulo! Como habitual, fi-lo mesmo na recta final, mas enviei o meu texto. O facto de simplesmente participar é para mim importante, não o faço com olhos no prémio, embora se vier é bem recebido. Cada vez mais me quero dedicar àquilo que me dá prazer, que me alimenta a alma. Devíamos todos fazer isso, porque todos temos algo que nos dá gozo, com que podemos contribuir, se não para os outros que seja para nós mesmos, porque também merecemos. E isso embeleza a vida, faz sentido à existência, e puxa por nós, pelo melhor de nós...num ano em que toda a gente se queixa de "não ter fim", a importância disto é mais evidente ainda. O meu ano não foi fácil, teve uns desgostos. Mas teve coisas boas. Mas porque eu também puxei por ele! Não fiquei de braços cruzados à espera que as coisas boas acontecessem, nem me conformei com a inevitabilidade das coisas. Que venha o 2017 sim. E que seja melhor que este, também. Mas que eu também seja melhor, a cada ano que passa.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Revista Inominável de Dezembro

Já saiu! A Revista Inominável de Dezembro está melhor que nunca! Folheiem de uma ponta à outra e deliciem-se com as colunas; desde a minha "Por Terras de Rei Artur", têm também "Anexo" (de e para bookaholics), "Viagens", "Correio (pouco) sentimental", "There there" , "2D3D", "Estar no ponto", "Musicalizando", "Play it Sam!", "Tendências de A a Z", "Na desportiva", "Fotografia: a luz e o olhar", "Criador de Impossíveis". Sem faltar também a Agenda Inominável temos aqui um pouco de tudo, desde viagens a testemunhos de vida além-fronteiras, de tendências de moda às tendências no mundo das consolas, de culinária a conselhos amorosos, de conversas de musica com convidados especiais ao mundo do cinema, do desporto à fotografia, passando por histórias e divagações. A Inominável, a revista sem nome...mas que tem tudo! 


https://www.joomag.com/magazine/inomin%C3%A1vel-ano-2-inomin%C3%A1vel-n%C2%BA5/0205617001456324110?short

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Love is the Answer

o Amor é a resposta para tudo.
Tão lamechas, tão difícil de acreditar.
Mas eu já acredito nisto hoje em dia. Viva a sabedoria da idade!, que era um mito há uns anos atrás, na idade em que pensamos ser eternos.
Linda mensagem a deste vídeo...como sempre no Legend.




quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Jeff Buckley - Hallelujah Eterna





A mais simples e mais tocante versão desta canção...cantada por uma voz que se manteve eterna após a morte prematura deste artista.
Embala-me, emociona-me, e é um bálsamo para momentos mais tristes.
Aleluia...e a vida continua, mais bela com sons como este.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Absence




I do not have the right words to tell you.
The most frequents are “I Miss you”.
And I remember our hands waving “see you soon”,
in that late afternoon, without knowing it was a goodbye.
And, in my own reflection,live the dreams you dreamed for me,
through your eyes,
two pieces of sky in a stormy day,
giving me shelter from the bad weather in the fragility of my early years.
A smell runs through the road of Time, 
breaking in my moments of stillness and living memories.
I feel your life running in mine, 
a heritage going so much further than our resemblance,
in wich I can still see you.
And, larger than the words “I Miss you”
Lives in me the word “Absence”.

Light Spot





You were just a Light spot for which we had no eyes or thoughts.
You were a Light spot without form or spark, because you were unimaginable.
And one day your Light shone, insinuating itself into a thought, a word, a glance exchanged between entwined fingers, becoming words ... And you, Light spot , decided to hear our appeal, and became a seed in a race of Love, turning yourself in blood and life, and this life vibrated in us, two hearts in one beat.
You, Light spot, brightened our life and illuminated our love even more, giving shape to long forgotten dreams in the rush of Time. And that time slipped by us, in seconds, hours and months of joy and purity, and you started to gain shape; In our imagination you were already a torn smile, a tiny nose, and two little hands that let themselves be guided by us in the adventure of life. But it was not this one, here! that would make you happy. You, our Light spot, wanted to keep your purity with which you have blessed us so many days, and you finally decided that your mission was fulfilled...
You can go, my sweet Light spot ... you will always shine on us, and the love that we feel for you had strengthened ours, a love that will never cease to have entwined fingers and in loved glances (our dreams have become stronger now, you know ...?).
Thank you for sharing yourself, for a little, with us, in a joy that not everyone gets to feel.
So take our kiss with you and fly, fly! ... be light ...

Little Light Spot






Eras apenas um ponto de Luz para o qual não tínhamos olhos ou pensamentos. 

Eras um ponto de Luz sem forma ou brilho, porque eras inimaginado. 
E, um dia, a tua Luz brilhou, insinuando-se num pensamento, numa palavra, num olhar trocado entre dedos entrelaçados, ganhando voz… E tu, ponto de Luz, decidiste ouvir o nosso apelo, e fizeste-te semente numa corrida de amor, fizeste-te em sangue e vida, e essa vida vibrou em nós, dois corações numa só batida.
Tu, ponto de Luz, iluminaste a nossa vida e iluminaste mais ainda o nosso amor, dando forma a sonhos há muito esquecidos na azáfama do Tempo. E esse tempo escorregou por nós, em segundos, horas e meses de alegria e pureza, e foste ganhando forma; na nossa imaginação eras já um sorriso rasgado, um nariz pequenino, e duas mãozinhas que se deixavam guiar por nós na aventura da vida. Mas não era esta, aqui! a que te faria feliz. Tu, nosso ponto de Luz, quiseste manter o teu estado de pureza com que nos abençoaste tantos e tantos dias, e decidiste finalmente que a tua missão estava cumprida…
Podes ir, meu doce ponto de Luz…vais sempre brilhar em nós, e o amor que por ti nasceu fortaleceu o nosso, que nunca vai deixar de ter dedos entrelaçados e olhares enamorados (os nossos sonhos ficaram agora mais fortes, sabes…?). 
Obrigado por te teres partilhado um pouco connosco, numa alegria que nem toda a gente reconhece.
Por isso, leva contigo um beijo nosso e voa, voa!... sê leve…